sexta-feira, 1 de outubro de 2010

A lua no mar e o medo do futuro...

Ela sentia uma certa ansiedade pela vida. Um frio que corria solto pelo seu corpo e causava um arrepio leve.

Um dia, nesses momentos de paixão adolescente, enquanto ela conversava com o garoto loiro de olhos azuis no carro. Estavam os dois a sós e ela queria muito beijar ele. Num momento havia-lhe dito sobre o que conversavam: - Isso é medo do futuro.

Podia ser... Caminhou pelo quarto e olhou pela janela.

O vento norte soprava forte naquela noite estrelada. Respirou fundo. A maresia úmida invadia o quarto refrescando o calor do verão.

Da janela podia ver a Praia da Cerca. O mar. Mas não dava para ver a arrebentação, apenas o movimento inquieto das águas.
Àquela hora da noite, a lua cheia resplandecia no céu e prateava as ondulações.

- Aquela vai ser grande! Pensou.

Fechou os olhos. Depois de uns minutos ouviu o brado da onda arrebentando nas pedras e na areia da praia. Parecia conhecer o mar.

Decidiu-se. Sem falar com os pais que já dormiam, tinha uma certeza no seu coração: precisava ver aquilo.

Saiu do prédio de madrugada. O frio era grande e ela usava apenas uma camiseta branca e o pequeno short jeans.

Tinha as chaves da portaria. Em silêncio pegou o elevador e desceu. O único barulho que poderia ouvir era o da máquina subindo.

Abriu a porta da frente do prédio com as chaves e saiu na rua asfaltada. Não havia ninguém, mas ela sabia o caminho que deveria tomar.

virou à esquerda e começou a andar com passos firmes. Garoava. O chão do asfalto estava úmido. Os pequenos chinelos de couro rapidamentes ficaram úmidos.

Entrou na rua de terra e areia. Caminhou por entre o terreno baldio em direção à única casa que havia na pequena Praia da Cerca. Os pinheiros da casa rangiam ao som do vento norte que soprava àquela hora como uma brisa.

Ela amava aquele vento, amava também aquele lugar.

De repente viu a praia e as ondas prateadas que quebravam perfeitas formando uma espuma cremosa.

Havia alguns poucos, dois ou três, carros parados com luzes apagadas. Casais celebravam a vida. Olhou para o céu e viu... sim, a imensa lua cheia brilhando ao norte.

Entrou pelo caminho das pedras onde a vegetação cobria a trilha. Não sentia medo. Sentia apenas paz... paz por estar de volta àquele lugar ao qual sempre quis retornar.


Na pequena praia, viu luzes de velas e trabalhos. Mas os ocupantes já haviam ido embora. As velas ficaram ao vento e ao mar.

Subiu na pedra. As ondas estavam médias e redondas. Pareciam querer abraçar os céus.

Sentou-se na pedra. Olhou as duas praias. Ao longe, pequenas luzes sumiam e tremiam embaçadas pela umidade da noite.

Pensou: - Queria morar ali, naquela praia. Para sempre.

Lembrou-se na Aldeia, quando havia feito a promessa de ter um iate e uma casa daquelas para sua cunhada.

- Eu prometo, disse ela, ainda pequenina. Vou ter uma casa aqui, e um barco desses quando crescer...

Era tempo da promessa se cumprir e de a menina crescer...

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Família

"Assim, minhas relações com a família tinham-se tornado muito menos fáceis do que antes. Minha irmã não me idolatrava mais sem restrições, meu pai achava-me feita e como que me censurava, minha mãe desconfiava da obscura mudança que advinhava em mim. Se lessem no meu cérebro, meus pais me condenariam; ao invés de me proteger como outrora, o olhar deles me punha em perigo. Eles próprios tinham descido dos céus mas eu não aproveitei disso para recusar seu julgamento. Ao contrário, senti-me duplamente contestada; não habitava mais um lugar privilegiado e havia brechas em minha perfeição; estava incerta de mim mesma e vulnerável. Minhas relações com os outros deviam modificar-se em consequência." (BEAUVOIR, 2009, p. 115).

Este pequeno trecho de Memórias de uma Moça Bem Comportada de autoria de Simone de Beauvoir (1958) remete-nos ao momento em que deixamos de confiar em nossos pais ou parceiros como nossos maiores apoiadores, dependendo de nós mesmos para trilhar um caminho bom pela vida. Ninguém é responsável pela felicidade do outro, pois isso é algo impossível de prover a quem amamos. A felicidade depende de nós mesmos, de fazer com que nosso habitar no mundo tenha um sentido peculiar ao que queremos chamar como vida.

A insegurança demonstrada pela própria Simone em sua autobiografia durante a adolescência, de não encontrar segurança no lar e diante da família que tanto ama será capaz de gerar uma nova autoestima na personagem, mais forte, capaz de defendê-la e sustentá-la mesmo diante das críticas e desaprovações daqueles que a amam.

http://www.critiqueslibres.com/i.php/vcrit/5389

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

As Representações dos homens de poder

"Originalmente, o caos das representações. As representações que combinaram umas com as outras restaram, grande número sucumbiu - e sucumbe." (Nietzsche, A Vontade de Poder, 2008, p. 268).


Eles não eram tão bonitos assim. Uma mistura de raças: american way com irish suggar, japonês com italiano, inglês com espanhol ou chineses em um fluente inglês.

Não importava onde, usavam ternos para trabalhar e, vez ou outra, mostravam um sorriso irônico na boca revolvida em wisky e cigarros caros logo pela manhã.

Envolvidos que estavam em políticas, em governos e em outros negócios interessantes ao redor do mundo, eram todos homens de poder que acordavam bem cedo, frequentavam academias famosas de madrugada e saíam para trabalhar às 8 da manhã num figurino impecável em seus automóveis caros.

Como em uma ficção 3D bem articulada, manejavam a vida perfeitamente através deste artifício, uma mistura de conhecimento e jeito de falar que sucumbe qualquer assunto, sem muito sentimento, tornando cada detalhe uma propriedade: o poder das palavras.

Não importava o interlocutor, a questão era sempre trazer à tona, de suas fontes e formas de expressão um outro caminho que movia a fala por histórias, explicações, a origem de tudo - o que eles muito sabiamente faziam trasparecer por meio daquilo que maquinalmente informavam. Tal jeito de falar vendia bem em qualquer lugar. O ritmo era importante. Traziam consigo a proximidade dos fatos. Além de muito charme, algumas sugestões e poucos movimentos.

É fácil nos apaixonarmos por quem não conhecemos ou por aqueles que conhecemos pouco: em qualquer direção que olhamos fica apenas o predomínio do desejo e das imagens que se formar em nós, que queremos apreciar como realidade. A imaginação pode ser um imbróglio para muitos filósofos, mas ela funciona muito bem para o início de qualquer tipo de história.

"Não cabe perguntar: 'quem interpreta?', mas sim se o interpretar mesmo tem existência (mas não como um 'ser': como um processo, um devir) como uma vontade de poder, como um afeto." (NIETZSCHE, 2008, p. 291).

Continuamos querendo histórias, continuamos querendo homens de poder, cada vez com mais velocidade. Chats, listas, blogs linkados são pequenas expressões de desejos e imagens que nos importam. Entretanto, basta conhecemos os cargos, as outras mulheres e fica difícil continuar admirando de maneira inócua a rotina do poder. Ele se esvai como uma sombra passageira, deixando apenas a figura nua de uma pessoa em seus artifícios.

Do que foi possível abstrair dessas representações, fica levemente uma certa impressão decepcionante. Essa impressão talvez surja a partir do momento em que passamos a observar as histórias e os movimentos se repetindo, mas para outros. Há o momento exato em que passamos a ouvi-las em outra direção: somo cúmplices, percebemos o truque, o plano da obra, o efeito das conversações e onde nos acertou o encanto. Com o tempo, nos viciamos em ver também a ingenuidade dos múltiplos outro nessa sedução. Isso faz com estejamos em dois lugares ao mesmo tempo em uma relação: o poder de um, o conhecimento da entrega do outro, dois espelhos com nossas imagens - antes, depois.

Como continuar? Por que continuar? Não existe cura para a imaginação. Talvez a busca ou um sentimento melhor possa vir de uma outra fiçção seguindo, sem brechas, a que acabamos de viver. Formar, ter impressões. Isso nos alimenta e precisamos da imaginação para continuar vivendo. Queremos um início e um final criado como autores, ter expectativas sobre qualquer tipo de assunto... Afinal, o não querer participar de uma ficção não é uma escolha que dependa somente de múltiplos eus. O envolvimento, as representações se firmam no início com a nossa chegada até em nosso jeito levantar e sair.

So, "DJ let it play...
I just can't refuse it
Like the way you do this
Keep on rocking to it
Please don't stop the
Please don't stop the music" Preferencialmente na versão Jamie C.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Diferença e Repetição

Lembrava-me a bruma e as coisas escondidas. O frio e o casaco vermelho cheio de joaninhas bordadas escondidas.

Os sapatos bonitinhos. As marias-chiquinhas e as bonecas - as mesmas.

A mão forte, grande e enorme, com veias altas, que segurava minha e me levava para passear.

E o passeio em uma floresta de árvores imensas, que escondiam o céu, palmeiras, eucaliptos, muita sombra e o barulho da natureza.

De repente, uma trilha, um caminho pequeno de terra.

- Vamos ver se tem amoras?

A mão forte se separava da minha, com um sorriso no rosto.

Abaixava-se e ficava mais perto de mim e ficava do meu tamanho.

Logo duas mãos fortes se esticavam na minha direção repletas de amoras roxas, vermelhas, rosas, doces e gostosas.

Há pouco tempo estive nesse mesmo lugar, mas sem as mãos fortes para me oferecer algo doce e gostoso.

Era de manhãzinha e as mesmas brumas estavam ali. O mesmo barulho e as mesmas árvores.

A saudade era grande e comecei a chorar. Pai.

Coloquei as mãos no chão e disse àquela que me desse força para continuar a viver e a ser.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

A Bailarina Torta

Não acontecia apenas com ela, mas uma série de outras pessoas que ainda ficavam caladas. Sabiam dançar muito bem na ponta dos pés, mas quando chegava alguém, um movimento desconcertante acontecia, de repende um desequilíbrio inesperado e caía ao chão.

Como os amigos viam apenas ela, e não costumavam olhar para o modo como eles mesmos dançavam, chamavam-na de a "baliarina torta" remetendo à imagem que tinham na mente, ao contemplar a dança, a torsão e finalmente o tombo.

Mas a bailarina não se importava muito com as quedas, para ela, o mais importante era mesmo dançar. Ainda que de maneira retorcida, ainda que de modo desconcertante para quem via, ainda depois da queda... ao dançar, ela só sentia a sensação do vento nos cabelos soltos, os pés se mexendo e os braços em movimentos lânguidos, sem nunca parar.

Por isso, nunca passou pela sua cabecinha a sensação que os outros tinham de que a sua dança era um constrangimento. Pois, os defeitos aconteciam apenas para quem via e de vez em quando, quando chegava alguém.

Em seu mundo, sozinha, a bailaria torta não via ninugém, apenas sentia o corpo fluindo, numa imensidão azul e eterna.